Início sem olá, bem ao meu estilo

Tauan Taiguara
3 min readJul 2, 2021

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Como eu gosto de explicar a piada, senti que deveria explicar alguns elementos do primeiro capítulo de A Árvore Sagrada.

Pedro é, ali, um paralelo do coelho da Alice e uma metáfora das mudanças que enfrentamos durante o decorrer da vida. A mudança não espera um momento propício. No fiar do nosso destino, as moiras não fazem um crescendo enfatizando a dominante do novo tom para, então, mudar o tema da sinfonia da vida. Podemos, por exemplo, refletir como a Covid-19 entrou em nosso cotidiano. O novo coronavírus não esperou que estivéssemos prontos para, só então, conviver com ele em nosso meio. Ele arrombou a porta, invadiu o mundo e nós deveríamos aprender a combatê-lo. Nossa rotina mudou, nosso trabalho mudou, a configuração familiar de muita gente mudou (FORA BOLSONARO!)… enfim, a vida mudou completamente.

Tauan, o da história, corre atrás de Pedro, mas por que ele correria? Ora, Pedro é o maior interessado em mostrar a existência de Pumya. Isso ficaria incoerente com a doutrina cética seguida pelo personagem? Não. Tauan, muito acima de seu ceticismo, é um curioso contumaz, o que o leva a correr, a perseguir esse novo conhecimento que se escancarará a ele momentos depois. A metáfora é essa mesma: a de como tivemos de correr atrás de novas maneiras de enfrentar a nova situação da pandemia e a de como, quando as moiras alteram o tom da música, temos de nos adaptar rapidamente a ele, “correr atrás do prejuízo”, como se diz no popular. Ninguém nos prepara para as mudanças. Ninguém nos preparou para a mudança da infância para a adolescência, muito menos para a mudança da adolescência para a vida adulta. Ninguém nos preparou para os boletos, para a carga de leitura da faculdade, para a vida sem a possibilidade de aglomeração (no contexto atual).

A mudança, enfim, acontece após um pouco d’água (os acordes simpáticos e misteriosos da Nona Sinfonia antes da explosão do coral) e a entrada na “toca do coelho” (a Catedral de São Pedro de Alcântara). Com os picos semelhantes às copas dos pinheiros, a Catedral era o cenário perfeito para começar uma história centrada numa árvore. Talvez inconscientemente eu tenha me valido de meu passado católico para lembrar o paralelo feito por São Francisco de Assis para a cruz de Cristo (“a bendita árvore”). Muitos esotéricos acreditam que a cruz seja, na verdade, um símbolo da árvore da vida cabalística ou da ascensão da kundalini por meio dos processos da yoga mística. Assim, faço a primeira visão da enxurrada de metáforas com árvore que existe durante todo o livro.

Ao leitor que continuar a leitura, peço, humildemente, que observe a floresta (garvana) descrita durante todo o livro. Cada árvore tem um significado muito específico e dão dicas do que podem acontecer no futuro. Este livro é, de certa maneira, uma ode não só à botânica e à herbologia, mas também ao cenário da minha infância, numa Magé muito mais arborizada que a de hoje, na qual o som mais recorrente ao andar na rua era o som de pisar em folhas secas e o baque das amêndoas maduras caindo ao chão.

Muitos autores escrevem histórias e se calam quanto aos mistérios que escondem entre as linhas. Eu, porém, acredito que charadas nascem para serem reveladas. Um mistério que não se revela é como uma semente que não frutifica ou uma figueira que nunca dá figos (e eis mais um paralelo c̶r̶i̶s̶t̶ã̶o̶ com árvores…).

P.S.: Outro nome para esse espaço seria “Escrevivendo”, em referência às escrevivências de Conceição Evaristo, mas, para manter uma coerência nos links, deixei apenas com meu nome, assim como todas as minhas redes sociais são (Tauan Taiguara), para facilitar a indexação. Devo escrever aqui, de vez em quando, para desabafar, para me curar, para me refazer, para apenas passar o tempo e para escreviver.

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Tauan Taiguara

Escritor, professor e colecionador de livros e LPs. Violinista e conlanger nas horas vagas.